Annie Ernaux retorna ao verão da juventude em novo livro

Fonte: Culturadoria | 13/Mai/2025

“Memória de menina” tem início no verão de 1958, mais de cinco décadas antes de ser escrito. Naquele verão, uma jovem francesa sai de sua cidade natal para trabalhar como monitora num acampamento de férias na Normandia. Ela é Annie Duchesne. Os dias de acampamento deixarão marcas indeléveis tanto na jovem que os experienciou, quanto na mulher que ela se tornará no futuro. Ali, Annie partilhará, como nunca até então, o tempo e o espaço com outros jovens da sua idade, enfrentará a vergonha e o bullying e terá sua primeira experiência sexual. “Memória de menina” é o novo livro de Annie Ernaux publicado pela Fósforo Editora com tradução de Mariana Delfini.

Memória e esquecimento 

Annie Duchesne é Annie Ernaux, seu nome de solteira. Mergulhar nas águas profundas daquele verão de 1958 é encontrar represadas memórias que quisera ter esquecido. Mas não é assim que a a memória funciona, especialmente aquela de uma escritora como Ernaux, para quem as lembranças e as experiências pessoais são a matéria primordial de um trabalho singular.

“Eu também quis esquecer essa menina. Esquecê-la de verdade, isto é, não ter mais vontade de escrever sobre ela. Não pensar mais que preciso escrever sobre ela, seu desejo, sua loucura, sua idiotice e sua altivez, sua fome e sua menstruação interrompida. Nunca consegui.”

Annie Ernaux busca reconstruir aquela menina que foi  – e que já não é mais. Há algo mais do que apenas a distância temporal que as afasta, que as difere. Algo mais do que um sobrenome, Duchesne e Ernaux. “Aquela menina de 58, que passados cinquenta anos é capaz de surgir e provocar um colapso interior, vive, portanto, em mim com sua presença escondida, irredutível. Se o real é aquilo que age, produz efeitos, segundo a definição do dicionário, essa menina não sou eu, mas ela é o real em mim. Uma espécie de presença real.”

História & história 

Enquanto, no campo pessoal, Ernaux vive um processo de amadurecimento repentino e doloroso, a França segue em conflito com a Argélia, numa guerra de independência do país africano, que busca romper com o poder do colonizador. Nas mãos habilidosas da escritora, tanto a história minúscula quanto a História maiúscula se entremeiam, numa das marcas do trabalho de Annie Ernaux que nunca deixa de instigar e surpreender: essa reconstrução de uma história íntima que não deixa de ser umbilicalmente ligada à todo um contexto histórico, político e social mais amplo.

Ser literário 

A escritora francesa reflete sobre a possibilidade de morrer sem escrever sobre aquela menina de 1958. “Terá sido vivido em vão”, conclui. Vida e escrita não existem de maneira apartada no projeto literário de Annie Ernaux. “Comecei a me transformar em um ser literário, alguém que vive as coisas como se elas precisassem um dia ser escritas.”

Capa do Livro Memória de Menina, de Annie Ernaux. Foto: Fósforo Editora/Divulgação
Capa do Livro Memória de Menina, de Annie Ernaux. Foto: Fósforo Editora/Divulgação

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Gabriel Pinheiro é jornalista e crítico de literatura. Escreve aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)

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